Em sua estreia em ficção longa, Wilson Gorj passa muito bem no teste. “A inevitável fraqueza da carne”, que saiu em 2023 pela Penalux, é um livro super convidativo por conta da capa e título, chamando a atenção do leitor logo de cara. Sem contar a força da reverberação da Magnum Opus de Milan Kundera, “A insustentável levez do ser” -, romance que eu adoro.
Gorj tem uma escrita bastante limpa e direta para mostrar a realidade aparentemente banal de um contador, Carlos, que recebe a notícia do falecimento do pai com quem não convivia há muitos anos. O protagonista também descobre que tem uma parte na herança do progenitor e o que lhe coube foi uma chácara onde o pai passava os finais de semana com a esposa.
Desde o início, Carlos e sua esposa Luísa estão decididos a vender a chácara para aplicar o dinheiro em outros projetos. Mas antes de colocá-la de fato à venda, o casal vai fazer uma visita à propriedade, conhecendo assim os caseiros que moram em uma parte da chácara e que são responsáveis por seu cuidado e manutenção. Carlos logo sente uma certa tensão no ar, apesar de o caseiro ser uma pessoa gentil. Sua esposa parece tensa porque o futuro é incerto, pois não há garantia que o novo dono mantenha o emprego deles.
Depois de um final de semana na chácara acompanhado da esposa, Carlos acaba voltando dias depois para lá sozinho e fica mais tempo do que imaginava. Sua intenção é apresentar a propriedade para possíveis compradores. Mas os dias vão passando e Carlos vai entrando cada vez mais na rotina da família caseira e também na descoberta do passado de seu pai. Suas descobertas e novas relações serão responsáveis por dar novos contornos à sua vida, trazendo à tona sentimentos novos, revelações do presente e segredos do passado.
A narração é feita em primeira pessoa, pelo próprio Carlos, que está mergulhado em emoções, fazendo com que ele se torne um narrador não confiável. A chegada da filha universitária dos caseiros dá mais um giro no parafuso em que as histórias do passado e do presente se conectam, com vários bons plotes. O leitor pode até desconfiar (não digo prever) de certos plotes e situações, mas as viradas são impactantes.
A jaguatirica da capa não é gratuita. O animal é personagem do livro e faz visitas noturnas à propriedade, causando certa empatia em Carlos, que tenta evitar que o caseiro mate o felino. Felino que pode ser uma chave de leitura para várias das questões apresentadas no livro. E em determinado momento uma surpresa: uma camada de ficção dentro de outra. Mas paro por aqui para não dar spoilers.
O romance conecta vários dos temas caros à literatura, que quase sempre dão bons resultados se a execução é cuidadosa. A atração/sedução/traição é um desses temas. Está intrínseco às relações da narrativa, conectando um segundo tema caro à arte da palavra, e à própria vida: o medo da repetição dos comportamentos que condenamos em nossos progenitores.
O caos da vida, a ironia, a hipocrisia, o ímpeto da carne, instinto e (i)moralidade. Está tudo ali. Em uma narrativa com uma linguagem simples e agradável, que consegue unir uma narrativa bem contada com boa literatura.
FICHA TÉCNICA
LIVRO: A inevitável fraqueza da carne
AUTOR: Wilson Gorj
EDITORA: Penalux
PÁGINAS: 162
GÊNERO: Romance
ANO: 2023
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